Sentimento oceânico foi o nome no qual Freud batizou, a grossas linhas, o sentimento religioso. Como se o homem fosse por natureza desprotegido, descrente sobre a incerteza da vida e do futuro, ele encontra na religião uma espécie de redenção salvadora que lhe proporciona uma experiência de completude, de imersão, de infinito.
Paralelo a isso, preciso lembrar que Joseph Campbell também comentou que o homem moderno se distanciou dos seus mitos. A leitura que o Ocidente cristão faz da sua religiosidade é uma leitura literal e não mitológica, não abrindo espaço assim para o simbolismo, para a metáfora e, justamente, para a sacralização da experiência religiosa.
O que eu suponho, então, é que o sentimento oceânico não deixou de estar presente na vida do homem moderno, mas ainda que ele existe, a espiritualidade não lhe confere mais uma experiência religiosa. A religião não situa o homem no seu lugar do Universo, e apesar de explicar-lhe, não lhe convence do sentido da sua vida mortal. A religião não liberta a experiência mística, mas diferente disso, ela prende em leituras literais e racionais do Sagrado.
O resultado disso, então, é que frequentemente vemos na religião – ou para sermos mais flexíveis, na espiritualidade ou religiosidade – uma espécie de terapia para os problemas na vida profana, como se fosse uma fuga ou uma recompensa aos problemas ou empecilhos da vida material. Assim como a televisão supostamente daria ao homem trabalhador, no final do seu dia o devido descanso, a religião também aniquilaria as tristezas e as decepções da vida. E todos sabemos que em nenhum dos dois exemplos a cura efetivamente existe, a não ser uma ilusão de compensação.
Alguém diria: "Ando tão triste, tão desanimado! Devo estar com encosto!" e então prontamente vai no terreiro de Umbanda no final de semana. "Tenho tido muitos problemas familiares" outra pessoa poderia dizer, e com a mesma pressa indo parar no Centro Espírita mais próximo. "Nada dá certo na minha vida, acho que devo voltar para a igreja" e isso serviria para qualquer católico, protestante ou neopentecostal.
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A Imperatriz no tarot de Marselha representa soberania. Soberania do corpo, do físico, da matéria. Que possamos ser soberanos de si próprios para, só então, receber o auxílio dos deuses. |
Aqui eu não quero pregar a ideia de que a religiosidade não tem a obrigação de confortar! Pelo contrário, ela tem sim esse papel, mas precisamos entender que não é esse seu objetivo principal.
Creio que precisamos parar de ver o ritual religioso como uma sala de terapia tendo como Deus/Deuses os psicólogos ou terapeutas dos nossos problemas. O que hoje pejorativamente chamamos de mitologia é a religiosidade do passado que dava um sentido à vida do religioso. Situava-o em um lugar do Universo, dava a ele uma missão a cumprir. Explicava-lhe o sentido da vida e nem sempre precisou prometer-lhe um "Paraíso" após a morte para isso.
A partir do momento em que o homem ou mulher se sentir verdadeiramente completo e consciente do seu papel nesse mundo, seja dentro de um círculo de velas ou dentro de uma igreja, ele não precisará da experiência religiosa ou do sentimento oceânico como terapia. A terapia será uma consequência natural, não um objetivo.
6 comentários:
Muito bacana o artigo! Cada pessoa tem um motivo para entrar no mundo religioso e muitos deles podem ser a "cura" de males ou "libertação" mas o importante é estarem de certa forma espiritualizando-se. gosto também de ver espiritualidade como sendo um "bem" terapeutico, mas que essa não seja apenas a motivação para estar num caminho espiritual. Se a terapia é vista como um meio para a dissolução de males psicoemocionais a religião pode não ter esse titulo porém pode colaborar ou não.
Nossa! Gostei muito do texto, e vejo isso mesmo, as pessoas perderam essa visão mitológica na religião. E também já ouvi que mitologia era besteira, creio que as pessoas deveriam voltar a enxergar a importância da mitologia e das metáforas na vida. É bom ler um texto desse para poder repensar como está sua relação com a religião, pois podemos acabar caindo nessa ideia de religião como terapia. Parabéns pelo texto!
Tentar encontrar soluções para seus problemas de ordem prática na prática religiosa ao invés de realmente encarar a realidade da vida cotidiana.É Odir, vemos muito disso por aí.. porque é mais comodo do que fazer uma auto análise e olhar o rela vazio interno.
o crucial em qualquer caminho religioso/espiritual é o auto-conhecimento e crescimento. quem busca no paganismo, na bruxaria e na wicca mais uma fuga, um conforto, um escape, desmerece estas crenças/práticas. e crescimento exige mudanças, esforço, dedicação, disciplina. será mais sofrido, mas é por algo bom, certo e divino.
Celebre a frase "E a Verdade vos libertará". Por Verdade entende-se diversas coisas, na minha visão,Verdade é Conhecimento e este por sua vez é mutável e nunca completo em si mesmo. Somente o Conhecimento traz as respostas e o não são os ritos religiosos e mágicos o exercício de um Conhecimento em particular?
É como lá diz o velho ditado. Só nos lembramos de Santa Barbara quando faz trovões. Realmente Odir Fontoura, a espiritualidade é mais do que religião ela é a outra vertente que nos dá a oportunidade de nos questionarmos porque motivo a nossa vida de repente inverte os acontecimentos. Só que, muitos não entendem qual o seu verdadeiro significado. Isto claro, é a forma como eu entendo a espiritualidade e cada um a vê à sua maneira.
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