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Fernando Pessoa nasceu em 1888 e morreu em 1935, vivendo praticamente toda a sua vida na cidade de Lisboa. |
Reis foi um dos heterônimos de Fernando Pessoa. O poeta teria tido uma formação clássica em um colégio de jesuítas, sendo um estudioso do paganismo e também latinista. Toda a sua obra representaria, então, a herança das artes do mundo greco-romano ao mundo Ocidental. Sua obra é marcada pelo epicurismo (a busca pela tranquilidade, o desapego do medo da morte, a busca pelos simples prazeres da vida e a fuga da dor) bem como pelo estoicismo (as paixões e os excessos são dominados e a noção de a morte é uma extensão natural da vida e não deve ser negada) e também pelo elogio ao bucólico e à natureza.
Muitos dizem que arte não deve ser explicada, e eu em parte concordo com isso, mas também penso que essa mesma arte também pode servir como um meio de elevação, de sublimação e êxtase, seja ele físico ou intelectual. E é sob essa perspectiva que falaremos um pouco sobre uma importante obra desse poeta. Um dos poemas mais conhecidos de Reis é “Não a ti, Cristo, odeio ou menosprezo”.
Aqui, Reis nega a autoridade de Jesus Cristo como uma única divindade que deve ser cultuada, em favor da negação dos outros deuses do paganismo. E dessa forma que o autor ataca o cristianismo. O poema na íntegra:
"Não a ti, Cristo, odeio ou menosprezo
Que aos outros deuses que te precederam
Na memória dos homens.
Nem mais nem menos és, mas outro deus.
No Panteão faltavas. Pois que vieste
No Panteão o teu lugar ocupar,
Mas cuida não procures
Usurpar o que aos outros é devido.
Teu vulto triste e comovido sobre
A stéril dor da humanidade antiga
Sim, nova pulcritude
Trouxe ao Panteão incerto.
Mas que os teus crentes te não ergam sobre
Outros, antigos deuses que dataram
Por filhos de Saturno
De mais perto da origem igual das coisas,
E melhores memórias recolheram
Do primitivo caos e da Noite
Onde os deuses não são
Mais que as estrelas súbditas do Fado.
Tu não és mais que um deus a mais no eterno
Não a ti, mas aos teus, odeio, Cristo.
Panteão que preside
A nossa vida incerta.
Nem maior nem menor que os novos deuses,
Tua sombria forma dolorida
Trouxe algo que faltava
Ao número dos divos.
Por isso reina a par de outros no Olimpo,
Ou pela triste terra se quiseres
Vai enxugar o pranto
Dos humanos que sofrem.
Não venham, porém, stultos teus cultores
Em teu nome vedar o eterno culto
Das presenças maiores
Ou parceiras da tua.
A esses, sim, do âmago eu odeio
Do crente peito, e a esses eu não sigo,
Supersticiosos leigos
Na ciência dos deuses.
Ah, aumentai, não combatendo nunca.
Enriquecei o Olimpo, aos deuses dando
Cada vez maior força
Plo número maior.
Basta os males que o Fado as Parcas fez
Por seu intuito natural fazerem.
Nós homens nos façamos
Unidos pelos deuses".
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O Mundo do tarô de Waite-Smith: O que Ricardo Reis faz, diferente de eleger divindades "certas" ou "erradas", ele engloba-as todas em um só Universo. |
Penso que em tempos de intolerância religiosa no país em que vivemos, muitas vezes empreendidas por certas vertentes do cristianismo, a poesia de Ricardo Reis vem bem a calhar. E é feliz se provoca a reflexão. É pela obra de Pessoa que sabemos que Reis teria saído de Portugal, por vontade própria, e se mudado para o Brasil. Que a beleza das suas palavras continuem vivas por muito tempo também na nossa terra.
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4 comentários:
"Tu não és mais que um deus a mais no eterno
Não a ti, mas aos teus, odeio, Cristo.
Panteão que preside
A nossa vida incerta."
Odir Fontoura, sempre implacável e impecável.
Vale (MUITO!) a pena ler.
Odir Fontoura,adoro seu blog,suas postagens e como você escreve !!!
Fantástico Texto Odir Fontoura, Apaixonado por esse poeta! muito Obrigado pelo lindo presente de conhecer esse poeta e esse texto intensamente forte!
Temos tbm,Frederik Nitzsche que fala sobre o cristianismo... ele vê como um mal, algo que só serve para os fracos sem controle próprio... a visão ampla e destorcida me atrai... o pensamento do incrédulo também, se fazem tão incrédulos, que acreditam no que discordam...
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