“Em magia, nada é alcançado sem
que algo seja dado em troca”. Há quem diga que essa frase é de autoria de
Gardner, mas nunca pude confirmar essa informação. Mas independente de quem
tenha falado isso, penso ser essa uma grande verdade. E não só uma simples verdade,
mas uma Verdade com letra maiúscula, um Mistério por si só. Esse “algo” que
deve ser dado em troca pode referir-se a muitas coisas.
Algumas pessoas interpretam essa “moeda
de troca” como as ofertas, oferendas ou sacrifícios que são feitos à certas
divindades ou espíritos específicos. Flores, frutas, incensos ou até mesmo
sangue ou carne animal nas vertentes bruxas que reconhecem tais práticas como
válidas. Esse seria o “alimento” oferecido para que certas “energias” (vamos
chamar dessa forma abstrata e pouco funcional por enquanto) possam “devolver”,
no plano material, a oferta dada com os pedidos realizados. Mas me parece que a
questão sacrificial na Bruxaria – e principalmente na Wicca – aparenta ser mais
complexa e mais profunda que isso. Pelo menos a partir do momento em que a
Bruxaria é entendida, também, como um caminho espiritual. Do contrário, seria
pura e simplesmente feitiçaria.
Talvez a “oferta” que tenhamos de
dar aos Deuses seja algo, em essência, muito menos palpável do que se possa
imaginar. É possível que o verdadeiro “Sacrifício” não possa ser cortado sobre
um prato ou mesmo derramado sobre qualquer taça pousados em um altar. Não descarto
a possibilidade de que os mais poderosos “sacrifícios” estejam naqueles
momentos (fortes e poderosos) em que descemos os degraus do Submundo e
despojamo-nos de nossas vestes, assim como fez a Deusa certa vez. Acredito que
a noção de “ofertar” algo vem do sentido de “oferecer”. Mas a contradição reside
no fato de que jamais podemos oferecer qualquer coisa que não seja nossa. Como
doar algo que não nos pertence? As flores que colhemos (mesmo as que plantamos)
não são nossas para que possamos colher e tirar-lhes a vida. O fato de termos
pagado, em dinheiro, pela caixinha de incensos, não torna aquilo “nosso” para
que possamos, aí então, “presentear” qualquer deidade. O mesmo pelo leite, pelo
vinho ou por qualquer outro tipo de sacrifício. A passagem de uma vida humana
na Terra nada mais é do que um ponto na imensidão do Universo. Talvez nem nós
mesmos nos pertencemos. Que direito teríamos, então, de “oferecer”, então,
qualquer coisa que seja?
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Aqui, o Enforcado no antigo tarot de Marselha. Não esque- çamos que o Enforacado sacrifi- cou-se, e obviamente, por isso consegue ver o mundo através de outras perspectivas... |
O Mistério reside no fato, então,
de que os sacrifícios feitos (aqueles literais, físicos) não bastam para
alcançar qualquer coisa por si só. Eles podem ser necessários, mas tem algo
mais nessa história. As “ofertas” mais importantes consistem no abandono do
ego, no afastamento daquilo que nos prejudica, no distanciamento dos maus
costumes, está no abrir mão de tudo aquilo que nos impede de trabalhar,
arduamente, para alcançar aquilo que almejamos. Os sacrifícios “literais” devem
ser apenas simbólicos de outros Sacrifícios muito mais poderosos (e mais
difíceis também de se fazer).
Me parece que oferecer Bolos e Vinho
não é o suficiente para alcançar qualquer objetivo. As oferendas feitas fora do
Círculo, no nosso cotidiano profano, aqueles que nos fazem ser uma pessoa
melhor (e merecedoras daquilo que pedimos) também devem contar. Aliás, eu
sugeriria que estas últimas são as que verdadeiramente “temperam” os
sacrifícios “literais” sobre o altar. Estes, não bastam por si só. Talvez os
Deuses sejam mais exigentes do que pensamos.
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6 comentários:
Gostei muito do texto, é um tema sobre o qual eu sempre reflito, vejo muitas pessoas ligadas ao paganismo nórdico super valorizando ou idealizando os sacrifícios sem atentarem para o “real” significado dos mesmos. O fato de reduzir tudo a materialidade sempre me incomoda, cheguei a ouvir coisas como “o verdadeiro sacrifício hoje é o dinheiro, já que ele que paga pelo que vamos ofertar”...nada mais errôneo ao meu ver!
Perfeita reflexão em seu texto. Penso do mesmo modo, parabéns pelo entendimento e clareza. ;-)
Eu adorei o texto e sempre pensei assim acerca de sacrifícios, pois os animais têm vida própria, porque matá-los seria devoção? a devoção vem de dentro, do espírito e não da matéria em si. O ato de derramar sangue pode até aumentar a conexão com o mundo das sombras apenas por correspondência da morte com o que não vemos, mas essa não é a única forma de fazer isso.
Muito bom seu texto Odir! Espero que circule muito pela rede. As pessoas tem que entender o verdadeiro significado de 'sacrifício'. Parabéns!
Odir é sempre bom ler suas reflexões sobre os assuntos desse nosso mundo bruxesco. Ao pensarmos um pouco sobre a palavra sacrifício, vemos como o significado dela pode ser bonito. No fazer sagrado, podemos transformar de toda a nossa existência um "fazer sagrado" aos deuses. Enfim, parabéns pelo texto.
Olá, Odir. Boa reflexão e parabéns pelo blog.
Acho que algumas partes da Bíblia indicam que a compreensão dos judeus e cristãos por vezes também foi nesse sentido:
"Pois eu desejava misericórdia, e não sacrifício; e o conhecimento de Deus mais do que holocaustos" Os 6:6
"Porque não é possível que o sangue de touros e de cabras
deva tirar os pecados." Hb 10:04
"Todo sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar os pecados." Hb 10:11
"Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional." Rm 12:1
Penso também no simbolismo da queima do incenso em honra aos antepassados nas religiões dhármicas, que originalmente devia significar tanto a impermanência da existência (conforme o incenso queima) quanto o comprometimento às boas ações (conforme o perfume se espalha), e os simbolismos de outras ações (como fundir estátuas, acender lamparinas, espalhar flores) no budismo em particular, aos quais o Triptaka chinês dá significados metafóricos internalizantes.
Parece mesmo que a busca interior é uma constante em todo caminho superior, enquanto a expectativa de ganhos através de relações puramente materiais é sintomático de algo como uma 'baixa magia' ou simples crendice tola.
Abraço.
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